segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Questão de Palavras

Questão de Palavras


Há muito tempo polemiza-se na família espírita, achando uns ter sido fluídico o corpo de Jesus e outros que era igual ao nosso. Vejamos, antes do mais, o significado da palavra fluídico, segundo o “Dicionário Aurélio”: “impalpável, intangível; diz-se, em Espiritismo, de certos corpos ou sombras impalpáveis, mas que a fotografia reproduz”. Ora, diante de tal significado, concordamos em parte com os que divergem da fluidez do corpo de Jesus, considerando que essa divergência se baseia no fato de que era palpável e tangível o corpo do Mestre, a rigor não lhe convindo, portanto, a designação de fluídico, a considerar-se correta a definição do “Aurélio”. Em parte apenas, dissemos. O corpo era palpável, sim, tangível, só que também era desmaterializável. E quando se desmaterializava tornava-se invisível, impalpável e, então, caber-lhe-ia a designação de fluídico.
Jesus tinha e tem (como não?) o poder de tornar tanto visível/tangível quanto invisível/intangível o corpo que ele queria usar. Isso é perfeitamente compreensível, senão a sua missão teria podido interromper-se, antes do cumprimento das profecias. Vejamos, no evangelho há três citações sobre uma multidão enfurecida querendo pegar o Mestre e mata-lo. Ei-las: Lucas, 4:29/30: “E, levantando-se, o expulsaram da cidade, e o levaram até o cume do monte em que a cidade deles estava edificada, para dali o precipitarem. Ele, porém, passando pelo meio deles, retirou-se”. João, 8:59: Então pegaram em pedras para lhe atirarem; mas Jesus ocultou-se, e saiu do templo, passando pelo meio deles, e assim se retirou”. João, 10:39: “Procuravam, pois, prende-lo outra vez, mas ele escapou-se de suas mãos”.
Cabe ou não uma pergunta? Como poderia uma pessoa de corpo tangível, sozinha livrar-se, por três vezes, de uma multidão enfurecida, se também este corpo não fosse desmaterializável?
Jesus também falou por João, 10:17/18: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho o poder para dar, e poder para tornar a tomá-la”. E tomar a vida, dar a vida não devemos entender hoje como materializar e desmaterializar o corpo, já que Jesus falava a criaturas que, como a maioria de hoje, não criam senão que ter vida, estar vivo é apresentar-se com um corpo carnal apenas tangível? Outra coisa; não são do domínio espírita a materialização e a desmaterialização de objetos e corpos humanos? Se objetos e corpos humanos aparecem e desaparecem de nossos sentidos táteis e visuais, num trabalho executado por espíritos ainda não purificados, por que seria impossível tal fenômeno a um espírito imaculado em sua pureza, como Jesus?
O que se pretende, pois, significar – malgrado a dificuldade que a palavra encerra – dizendo que o corpo de Jesus era fluídico, é que o Mestre não sofreu como nós a encarnação humana, mas formou o seu corpo ele próprio, atraindo para si, para recobrir com eles o seu puríssimo perispírito, fluidos encontrados no ambiente terreno onde teria de atuar; que era um corpo perispiritual, gozando de todas as propriedades do perispírito, entre as quais condensar-se em certas condições e sob o poder da vontade do espírito, tornando-se visível, palpável e tangível, materializado, portanto.
Abrimos um parêntese para dar dois exemplos de deficiência da nossa linguagem. Dizemos que o espírito de fulano materializou-se. Primeiro que fulano não tem um espírito, como faz crer quem assim fala, mas é um espírito. Segundo, o que se materializa não é o espírito, mas o corpo que ele vai usar na sua visível manifestação. O espírito permanece invisível, como invisível estou eu – espírito - a vocês, e vocês – espíritos – estão para mim. Vocês vêem o meu corpo carnal, meu instrumento de manifestação, como vejo o utilizado por vocês. Fecho o parêntese.
O mais ressaltável, porém, nesta questão entre os espíritas é que nós roustanguistas (assim impropriamente chamados, pois em realidade somos apenas espíritas, mas que, além de Kardec, estudamos e aceitamos também a obra de Jean-Baptiste Roustaing como perfeitamente enquadrada nos princípios espíritas) não somos contra os que não o são; mas eles são contra nós, chegando uns a anatematizar-nos ou, quando menos, discriminar-nos (quando em algumas Casas Espíritas evitam convidar-nos para falar). Entretanto nós os aceitamos e compreendemos em seu direito de pensar como queiram ou possam; somente lamentamos não terem alcançado o que nos parece, também dentro de nosso direito, tão claro e evidente na vida de Jesus.
Significativa, nesta hora, a passagem em Atos 5:38/39, na qual Gamaliel, dirigindo-se aos que queriam encarcerar e matar os apóstolos, porque falavam eles de verdades desconhecidas na época, assim falou: “E agora vos digo: Daí de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará. Mas se e de Deus, não podereis desfazê-la; para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus”.
Finalmente, lembremos Marcos 3:24/25: “E, se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode subsistir. E se uma casa se dividir contra si mesma. Tal casa não pode subsistir”.
Meditemos irmãos, “enquanto estamos a caminho”. Outrora, o impasse era entre místicos e científicos. O venerável Bezerra resolveu-o. Veio depois, o Pacto Áureo conciliando, unindo a família espírita. E agora? Será que teremos de materializar o “Médico dos Pobres” para derrubar (ah! Meu Deus, agora também se questiona se o espiritismo é ou não é religião) a parede divisória que tentam alguns poucos levantar no seio da família espírita entre religiosos e não religiosos?

Adésio Alves Machado


Artigo extraído do “Reformador” revista de espiritismo cristão, número: 1892, ano 104, mês: novembro de 1986, editado pela FEB – Federação Espírita Brasileira.