
“O espírito sopra onde quer...”
2ª Parte
1 – “A letra mata e o espírito vivifica.” (II cor, 3: 6).
Quando Jean-Baptiste Roustaing publicou a obra de autoria dos evangelistas, assistidos pelos apóstolos e por Moisés, interpretando a totalidade dos versículos evangélicos e dos Mandamentos, obra a que ele deu o título de “Espiritismo Cristão ou Revelação da Revelação”, por indicação dos Espíritos autores, mais conhecida entre nós como “Os Quatro Evangelhos”, o Codificador do Espiritismo sobre ela se manifestou pela “Revue Spirite”, em junho de 1866. Allan Kardec, evidenciando a prudência de sempre, pela qual lhe devemos ser invariavelmente reconhecidos, pois que colimava a preservação da pureza doutrinária, declarou tratar-se de “um trabalho considerável” e que tinha “o mérito, para os espíritas, de não estar em contradição, em nenhum ponto, com a doutrina ensinada em “O Livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns”. Mais adiante, assevera que o autor entendeu de seguir diferente orientação da que ele adotara, de graduar a divulgação dos ensinos: preferiu de um salto atingir o fim. Obediente a esta orientação, cogitou de questões que o codificador ainda não tinha julgado oportuno abordar e que por isso lhe deixava, e aos Espíritos que as comentaram, integral responsabilidade. Podiam ser “justas ou falsas”, dependendo de mais ampla confirmação. Enquanto isso, não seriam consideradas integrantes da Doutrina dos Espíritos. Tratando do corpo fluídico, disse Allan Kardec que não se pronunciaria pró ou contra, mas que, para quem conhece as propriedades do perispírito, não havia nada de materialmente impossível nessa teoria. Entendia, ainda, que a obra era muito extensa em certas partes e que, para maior clareza e para ganhar popularidade, devia ser reduzida a dois ou mesmo a um volume.
Na sua apreciação, dizia Kardec, concluindo, que as observações feitas, “subordinadas à sanção do futuro”, não diminuíam em nada a importância da obra: paralelamente a coisas duvidosas, “em nosso ponto de vista”, encerra outras incontestavelmente boas e verdadeiras e será consultada com proveito pelos espíritas sérios.
A advertência de Paulo de Tarso aos Coríntios, relativamente às escrituras do Antigo testamento e do Novo Testamento, de que “a letra mata”, precisa ser urgentemente estendida ao estudo das obras fundamentais da Codificação, inclusive aos escritos avulsos do Missionário de Lyon, pois há por aí quem pretenda encontrar nessas obras e nesses escritos o pensamento que neles nunca se inseriu. Afinal de contas, os espíritas não podem menosprezar os recursos enormes que nos foram confiados e, por invigilância, fazer jus a que nos digam amanhã o que Jesus disse a Nicodemos: “És mestre em Israel e ignoras essas coisas?” E se, ainda assim, prosseguirmos em nossas andanças, pesquisando e estudando superficialmente, na persecução a conhecimentos mais altos e profundos, possivelmente toparemos lá adiante com o Mestre de Nazaré: “Se vos tenho falado das coisas terrenas e não me credes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jô, 3:10/11).
Sinceramente, não vemos como seja possível identificar no ponto de vista pessoal de Allan Kardec qualquer condenação à obra de Jean-Baptiste Roustaing, quando ele próprio declara recusar-se a pronunciamento “pró ou contra”, na questão do corpo fluídico de Jesus, embora lhe não negando a possibilidade, e que, quanto a outras, podendo ser “justas ou falsas”, dependeriam de “mais ampla confirmação”, ficando “subordinadas à sanção do futuro”; as observações feitas, que em nada diminuíam o valor da obra, etc., etc.
Acreditamos que seria mais justo e consentâneo com os princípios do Espiritismo que os estudiosos, à luz da razão, oferecessem argumentos válidos contrários às teses doutrinárias de “Os Quatro Evangelhos” e, neles apoiados, justificassem os motivos para profligar a obra da mediunidade de Madame Colignon. E, em tal hipótese, sem nenhuma preocupação em contrariar o ponto de vista do Codificador, pois certamente ninguém se lembrará, coerente com a Doutrina Espírita, de atribuir-lhe o dom da infalibilidade. Quanto aos desinformados, pensamos que a trilha do estudo ser-lhes-a mais idônea que a da negação e do ataque ao desconhecido.
Francisco Thiesen
(Texto extraído da Revista Reformador, mensário de espiritismo cristão do mês de Junho de 1973, nº. 06, ano 91, editado pela FEB – Federação Espírita Brasileira.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário